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A intoxicação nossa de cada dia

Os agrotóxicos se tornaram, nos últimos anos, os grandes vilões da alimentação saudável. Seja através do noticiário na TV ou de conselhos de “especialistas” no assunto, a história que chega à população é a de que os alimentos convencionais produzidos no Brasil estariam contaminados por resíduos de agroquímicos e que o consumo desses produtos estaria intoxicando, aos poucos, as pessoas.

A solução, portanto, seria consumir apenas produtos orgânicos, cultivados de forma rudimentar e teoricamente livres dessas substâncias. Aos olhos de um leigo, a história pode até fazer sentido, mas a ciência já provou há muito tempo que essa teoria não passa de uma falácia criada pelos defensores dos orgânicos para criar um clima de medo e fomentar as vendas dos produtos tidos como naturais.

Os químicos, de fato, causam medo às pessoas, o que ajuda a difundir os mitos. Não deveria ser assim, já que nós ingerimos substâncias químicas o tempo todo, seja através da água, do ar ou dos alimentos que consumimos diariamente — mesmo no caso dos que se alimentam exclusivamente de orgânicos.

É impossível levar uma vida livre de produtos químicos. Você, meu caro leitor, saiba que neste momento o seu corpo possui resíduos de mercúrio, arsênico, alumínio, zinco, chumbo, urânio e várias outras substâncias consideradas altamente tóxicas.

Mas, por estarem em níveis muito baixos ou combinadas com outras substâncias, não causam qualquer problema à saúde, mesmo a longo prazo. Isso prova que há, sim, níveis seguros para o consumo de substâncias químicas, mesmo as mais perigosas.

O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para), uma iniciativa da Anvisa com o objetivo de avaliar a qualidade dos alimentos vendidos no País em relação ao uso de pesticidas, talvez seja o principal responsável pelo atual clima de desconfiança em torno dos vegetais vendidos no Brasil.

Inspirado em projetos semelhantes desenvolvidos no exterior, o programa brasileiro de monitoramento foi lançado em 2001, mas só ganhou notoriedade quase uma década depois, ao despontar como fonte em centenas de reportagens sensacionalistas que denunciavam a suposta contaminação dos alimentos por resíduos de agroquímicos em todo o País.

Aí você me pergunta: mesmo em pequena quantidade, os resíduos de agrotóxicos encontrados nos alimentos não são perigosos? Eles não podem causar algum tipo de intoxicação nas pessoas?

A resposta é direta: na teoria, podem. Na prática, é quase impossível que isso aconteça. Isso porque a definição do Limite Máximo de Resíduos (LMR) nos alimentos é baseada em outro índice, a Ingestão Diária Aceitável, também conhecida como IDA, que é a quantidade de aditivos químicos que podem ser ingeridos todos os dias, por toda a vida, sem oferecer qualquer risco à saúde humana.

O cálculo da IDA é rigoroso e definido por órgãos internacionais. Para garantir que a ingestão de químicos seja totalmente segura, é utilizada como referência uma dose que comprovadamente não cause nenhum efeito adverso aos seres humanos, para posteriormente ainda ser reduzida em cem vezes.

O exemplo do pimentão, o grande vilão do Para e hoje símbolo de alimento intoxicado por agrotóxicos, nos ajuda a entender melhor como esse cálculo funciona na prática e os riscos envolvidos no consumo do vegetal.

Uma das substâncias químicas mais detectadas no pimentão, o clorpirifós é um inseticida cuja IDA é estipulada em 0,01 mg/kg de peso corporal. No caso de um homem de 85 quilos, portanto, a IDA é de 0,85 miligramas.

Já o LMR para o clorpirifós no pimentão é de 0,04 mg/kg, o que significa que seria necessário ingerir pouco mais de 21 quilos (0,85 dividido por 0,04) de pimentão “contaminado” por clorpirifós todos os dias, por toda a vida, para sofrer uma intoxicação — algo que, sejamos francos, nunca vai acontecer.

Mesmo supondo que uma pessoa de 85 kg consiga comer quase um quarto do seu peso corporal em pimentões em apenas 24 horas, essa experiência dificilmente passaria do primeiro dia, já que ele muito provavelmente teria problemas causados pela ingestão de outras substâncias presentes no produto, como o magnésio — elemento químico natural que aparece em uma proporção de 110 mg/kg do vegetal.

Em 20 quilos de pimentão, são nada menos do que 2.200 miligramas de magnésio, ou dez vezes mais do que a dose letal estimada para esse ingrediente — uma quantidade mais do que o suficiente para matar uma pessoa. Agora, me diga, quanto de pimentão você come diariamente? Entre os brasileiros, a média de consumo é de apenas 4,6 gramas por dia.

As pessoas se assustam ao ler as notícias sobre os resíduos de agrotóxicos nos alimentos, mas nem se dão conta de que consomem coisas muito piores todos os dias.

Assim como acontece com os pesticidas, a Anvisa também estabelece quantidades máximas de resíduos para outros elementos, alguns deles repugnantes, como insetos e pelos de ratos.

Se você tem o costume de tomar chá de hortelã, prepare-se para encontrar até trezentos fragmentos de insetos — com o limite de até cinco bichos inteiros — e mais dois fragmentos de pelos de roedor a cada 25 gramas do produto.

No ketchup e no molho de tomate, o limite estabelecido pela Anvisa é de dez fragmentos de insetos e mais um pelo de rato a cada 100 gramas. Mas isso os defensores dos orgânicos nunca vão te contar.

Autor: Nicholas Vital

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